Satanistas criam curso infantil para contrapor ensino cristão nos EUA
Representantes do Diabo na Terra estão disputando a atenção de alunos de escolas públicas nos Estados Unidos.
Desde 2001, a Suprema Corte americana
permite que grupos religiosos ofereçam cursos extracurriculares a alunos
da rede pública. Graças à regra, igrejas católicas e evangélicas
espalharam os chamados "Clubes de Boas Notícias" por colégios de todo o
país, com a missão de "evangelizar meninos e meninas com o Evangelho do
Senhor, para estabelecê-los como discípulos da Palavra de Deus".
Entretanto, com a imagem de um lápis
escolar de três pontas, simulando um tridente, membros do Templo
Satanista dos EUA decidiram aproveitar a legislação para "oferecer uma
alternativa a crianças e pais" e questionar a legitimidade dos cursos
cristãos na rede de ensino infantil. A alternativa que eles propõem é o
satianismo.
"Se cursos religiosos são permitidos nas
escolas, nós queremos espalhar nossos clubes por toda a nação para
garantir que múltiplos pontos de vista estejam representados", disse à
BBC Brasil Chalice Blythe, diretora nacional do programa "Satã Depois da
Escola" (After School Satan Program, no original), do Templo Satânico
dos EUA.
A estratégia inclui um convite em vídeo,
com áudio invertido e imagens de crianças intercaladas com aranhas,
bodes com longos chifres e outros símbolos satânicos, em que o grupo
convoca estudantes para "aprenderem e se divertirem" com o satanismo.
Um livro de colorir chamado "O grande
livro de atividades das crianças satanistas", vendido por 10 dólares
(aproximadamente R$ 33), estimula os pequenos a brincarem de "ligar os
pontos para formarem um pentagrama invertido", símbolo clássico
associado ao reino de Satanás.
Em coro com diversos grupos religiosos, a
conservadora TFP (Tradição, Família e Propriedade) americana reagiu,
classificando o projeto como "sacrilégio" e convocando fiéis a
protestarem "pelo retorno da moral cristã".
"Precisamos frear a popularidade do
satanismo", destacou a entidade, endossando uma onda de abaixo-assinados
criados por igrejas para proibir cursos satânicos para crianças.
Com um discurso fortemente político, o
Templo Satânico foi criado em 2014 como um novo ramo do Satanismo
americano tradicional. O templo tem forte atuação em redes sociais, onde
reúne mais de 100 mil seguidores - especialmente jovens. Em menos de
três anos, o templo inaugurou "capítulos" (ou escritórios) em 13 Estados
americanos.
Mais do que devotos do Diabo, entretanto, o
projeto satanista vem ganhando popularidade entre ateus e ativistas
políticos nos Estados Unidos e outros países.
"Precisamos de uma filial do templo no Brasil", escreveu um morador do Rio de Janeiro na página do grupo satanista no Facebook.
"O novo prefeito da minha cidade é um
bispo evangélico e está começando a mostrar serviço em nome de Deus. Nas
câmaras legislativas, existem cultos para Jesus. Em nossa Constituição
está escrito que somos um país secular, mas mesmo em nossa Suprema Corte
temos um crucifixo na parede. Se até a nossa Justiça não respeita a
Constituição, quem respeitará?", questionou o brasileiro, em meio a
outros comentários críticos relacionando política e religião.
Fundador do Templo Satânico e ex-aluno de
neurociência da Universidade de Harvard, o americano Lucien Greaves tem
como bandeiras a defesa do conhecimento científico, das liberdades
individuais e direitos humanos, da legalização do aborto e do casamento
entre pessoas do mesmo sexo e, acima de tudo, da separação entre
religião e Estado.
O posicionamento gera ceticismo: estes
satanistas seriam mesmo religiosos ou são um grupo político que se
aproveita das leis ligada a religiões?
"O Templo Satânico é uma religião igual a
qualquer outra, na medida em que nós (membros) temos um senso de
identidade, comunidade, estrutura narrativa, cultura e valores
compartilhados", responde a satanista Blythe, em entrevista à BBC
Brasil.
"Não ter crenças ou fundamentos
supersticiosos não nos torna menos sinceros em nossas ações e convicções
do que aqueles que mantêm a crença em uma divindade", completa.
Mas, se o foco é científico e distante de misticismos, por que a opção pela imagem do diabo?
"Satanás é um símbolo do eterno rebelde em
oposição à autoridade arbitrária", responde. "Nosso Satanás é o herege
que questiona as leis sagradas e rejeita todas as imposições tirânicas".
Para o advogado constitucionalista John
Eidsmoe, "a principal questão constitucional ligada a proposta de curso
infantil satanista é entender se o Satanismo é uma religião".
"Não consigo prever como uma corte decidirá em relação a isso", afirmou Eidsmoe ao jornal "The Christian Post".
Além dos cursos infantis, a estratégia do
templo satânico inclui a instalação de monumentos dedicados a Satanás ao
lado de estátuas cristãs em locais públicos e intervenções em
procissões religiosas.
Para a maioria dos grupos cristãos tradicionais, estes satanistas seriam "ativistas políticos travestidos de religiosos".
"Este grupo não é legítimo. A única razão
para ele existir é se opor aos Clubes de Boas Notícias, onde ensinam a
moral, o desenvolvimento do caráter, patriotismo e respeito, de um ponto
de vista cristão", afirmou, em nota, Mat Staver, fundador do grupo
evangélico Liberty Counsel.
"O chamado grupo satanista não tem nada de
bom para oferecer aos alunos. As escolas não precisam tolerar grupos
que perturbem o ambiente e visam prejudicar outros clubes legítimos.
Nenhum pai em sã consciência permitiria que seus filhos participem desse
grupo", completou.
Para o pastor presbiteriano Jerry Newcobe,
"um dos grandes problemas com a América contemporânea é o
multiculturalismo, que abrange a todos sem discernimento".
"O cursos satanistas para crianças
desrespeitam a lei porque querem proteger as crianças de qualquer forma
de cristianismo", diz.
A proposta "Satã Depois da Escola" prevê
encontros mensais de uma hora em salas alugadas por escolas públicas,
nos mesmos moldes dos clubes cristãos. As reuniões incluem "uma refeição
saudável, aulas de literatura, atividades de aprendizado criativo,
ciências e artes".
"Todas as crianças são bem-vindas,
independente de seu histórico religioso", ressaltam os satanistas na
carta de apresentação do projeto a escolas.
À BBC Brasil, a porta-voz do Templo
Satânico afirma que os cursos infantis não se propõem à devoção do
Diabo, mas "a um currículo que enfatiza uma visão de mundo científica,
racionalista e não supersticiosa", como alternativa aos dogmas do ensino
cristão.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLFWlHbnp6wcKnU90JfFl_I7fTdk9cPkzzvZ1W-AQw3DvC0FQ_JrJRGDh3gEPw09B_xogbzTDBsLqUY8YbWKO29ssD55WH-dr-GLWt543cznF6pvS7A785QCi94Q8uq_zw5NJLiP6RS2I/s320/012.jpg)
"Se o medo de os satanistas chegarem às
escolas públicas for suficiente para justificar que todos os clubes
religiosos sejam proibidos, veremos isso como um resultado positivo",
diz a representante do grupo.
À reportagem, ela diz afirma que "os
Clubes de Boas Notícias não deveriam ser permitidos em escolas públicas
porque são uma ferramenta usada por fanáticos evangélicos para fazer
proselitismo e doutrinar crianças jovens em sua visão extremista de
mundo".
A porta-voz do Templo Satânico diz que o
grupo está "trabalhando na criação de um programa de voluntariado para
os cursos infantis para o ano letivo 2017-2018, que permitirá que os
voluntários estabeleçam os clubes em suas escolas".
Questionado, o grupo não confirmou se
obteve permissão oficial de alguma escola para a criação dos grupos no
próximo ano letivo, que começa em setembro.
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